domingo, 14 de novembro de 2010

EMPRESÁRIO FATURAVA R$ 120 MILHÕES POR ANO DE RENDIMENTO NO BANCO DE SÍLVIO SANTOS

O Banco Central encontrou o primeiro indício concreto de desvio de dinheiro no PanAmericano.


Um único cliente pessoa física recebia mais de R$ 120 milhões de rendimento por ano numa aplicação na instituição, a taxas muito superiores às de mercado.



Técnicos do BC suspeitam que os juros do investimento eram inflados artificialmente para camuflar a saída dos recursos. Não se sabe ainda se o cliente está envolvido no suposto esquema.



O titular da aplicação é o empresário Adalberto Salgado, de Juiz de Fora (MG). Ele mantinha R$ 400 milhões num CDB (Certificado de Depósito Bancário) do PanAmericano, que o remunerava a mais de 30% ao ano.



O BC já havia identificado problemas na contabilidade, mas não tinha indícios de desvio de dinheiro.



O CDB é um instrumento usado pelos bancos para captar recursos. O investidor empresta dinheiro ao banco e recebe juros baseados no CDI -taxa cobrada nas transações entre instituições financeiras. O CDI segue a taxa básica da economia (Selic), hoje em 10,75% ao ano.



Em sua aplicação, o empresário obteve 20% ao ano de retorno mais o total do CDI -cerca de 30,75%. O prazo da aplicação é de cinco anos.



Bancos menores e de médio porte, como o PanAmericano, costumam pagar taxas superiores ao CDI dependendo do valor investido e do prazo. Ainda assim, segundo executivos do mercado, uma taxa polpuda chegaria a, no máximo, em torno de 105% do CDI (cerca 11,3% ao ano). 



INTERVENÇÃO
Na semana passada, a Caixa Econômica Federal e o BC realizaram uma espécie de "intervenção branca" no PanAmericano, após a identificação do rombo. No final de 2009, a CEF comprou 35,54% do capital da instituição, por R$ 739,2 milhões.


A descoberta de uma aplicação tão extravagante só após a intervenção é um indício de que a fiscalização do BC cometeu falhas graves no caso do PanAmericano.



Segundo dois especialistas ouvidos pela Folha, sob a condição de que seus nomes não fossem citados, a fiscalização deveria ter notado o CDB, no mínimo, pelo risco que o pagamento de juros tão altos significaria ao banco.



Pela lei de lavagem de dinheiro, o PanAmericano deveria ter comunicado o BC pelo fato de uma pessoa física ter feito uma aplicação que só faz sentido para grandes corporações, dados os valores envolvidos. Nesse caso, as duas formas de fiscalização fracassaram.



Durante a intervenção, o BC identificou uma série de irregularidades nas contas do banco, como carteiras de crédito já vendidas para outras instituições, mas ainda contabilizadas no balanço.



Os técnicos do BC, contudo, ainda não sabem dizer se os erros ocorreram por incompetência ou má-fé.



A Polícia Federal instaurou inquérito policial para apurar eventual prática de crimes contra o Sistema Financeiro. Segundo a PF, serão investigados crimes como gestão fraudulenta, prestação e inserção de informações falsas nos balanços.



O Ministério Público Federal também apura o caso. Da Folha de S. Paulo deste domingo

A guerra nada santa do delegado Protógenes


Pouca gente no Brasil sabe dizer de que é acusado o banqueiro Daniel Dantas. Mas todo mundo tem certeza de que ele é culpado. Ou, como diz seu acusador-mor, o delegado afastado da Polícia Federal e deputado federal eleito Protógenes Queiroz, que Daniel Dantas é o maior bandido do país. Praticamente, o Brasil inteiro acreditou nisso. O jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, não. Preferiu investigar, ele mesmo, do que é feito o maior escândalo financeiro da história do Brasil.
De suas investigações — que vão da análise do sistema financeiro internacional ao programa de privatização das telecomunicações, passando pelos processos judiciais movidos contra o banqueiro e pela cobertura jornalística desses fatos — resultou o livro O Escândalo Daniel Dantas — Duas Investigações, já à venda nas boas livrarias do país.
O resultado das apurações do jornalista não chega a ser um atestado de bom comportamento do banqueiro Daniel Dantas, mas dá nota zero para os métodos de investigação e as intenções ocultas do delegado Protógenes Queiroz, que acaba de ser eleito deputado federal com a generosa ajuda dos votos do mestre Tiririca. Raimundo Pereira acompanhou o caso Daniel Dantas em artigos escritos para a revistaRetratos do Brasil, que ele edita. "A opinião divulgada nesses artigos sobre o trabalho de Queiroz é a pior possível", conclui o autor, no livro.
Para Raimundo Pereira, a transformação de Daniel Dantas no bode expiatório de todos os males do Brasil foi uma decisão política do presidente Lula. A decisão foi manifestada entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial de 2002, pelo futuro secretário de Comunicação do primeiro governo Lula em forma de ordem a seu colega e então chefe de campanha eleitoral de Lula, José Dirceu. "A ordem é de Lula: dinheiro de Dantas não; ele não é ético."
Não se sabe o efeito da ordem do chefe na arrecadação dos fundos de campanha, mas suas consequências podem ser constatadas claramente na posição do governo em relação às disputas que se seguiram às privatizações no setor de telecomunicações, onde Daniel Dantas (foto)ocupava posição importante. Como gestor da Brasil Telecom, um dos três grandes grupos em que foi dividido o mercado de telefonia do país, Daniel Dantas enfrentou uma dura guerra desencadeada pelos demais sócios da empresa — Telecom Italia, Citibank e os fundos de pensões das estatais. Em todas as batalhas, o governo petista esteve do lado contrário de Dantas.
A guerra acabaria por colocar a Polícia Federal nos calcanhares do banqueiro na chamada Operação Chacal que investigou a espionagem empresarial contratada pelo Opportunity contra a Telecom Italia. A oportunidade para a PF intervir surgiu quando agentes da Kroll contratados pelo Opportunity para bisbilhotar a Telecom Italia acabaram atingindo o então secretário de comunicação do governo Lula, Luiz Gushiken, e do presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb.
Às trapalhadas dos espiões da Kroll, se somou uma gentileza dos italianos. As provas contra Dantas que permitiram montar a Operação Chacal foram gentilmente cedidas à PF em um CD entregue por Angelo Jannone, ninguém menos do que um dos responsáveis pela segurança da Telecom Italia. A empresa italiana está sendo investigada na Itália por atividades ilegais do mesmo teor, mas as autoridades brasileiras nunca se interessaram em conhecer o seu conteúdo.
O livro relata que o chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mauro Marcelo, e o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, consideravam Dantas "inimigo do governo". Tanto a Abin, que viria a ser comandada mais tarde por Paulo Lacerda, quanto a Polícia Federal, de Protógenes Queiroz, agiram em consequência dessa definição em ações futuras como a Operação Satiagraha.
Ramificação do mensalão
Raimundo Pereira conta no livro que o objetivo da Operação Satiagraha, confiada ao comando do delegado Protógenes, era demonstrar o suposto vínculo entre aplicações ilegais de brasileiros no Opportunity Fund, gerido por Daniel Dantas em Cayman, e o mensalão, o esquema de compra de apoio da base parlamentar do governo Lula denunciado pelo então deputado Roberto Jeferson (PTB-RJ). O elo entre os dois esquemas foi vislumbrado na CPI dos Correios, que investigou o mensalão. Mas Protógenes, aparentemente, achou pouco o que se lhe pedia. Segundo o autor, o grande equívoco do delegado foi se desviar do objetivo inicial da missão para "investigar os rumos mais gerais da política de telecomunicações do país".
O delegado se insurge não apenas contra as privatizações das teles, iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele também fica indignado com a iminente venda da Brasil Telecom para a Telemar/Oi. Em sua cabeça, as maquinações para a formação da grande tele verde-amarela eram obra dos gênios malignos das quadrilhas de Daniel Dantas e de Naji Nahas, com ramificação no Palácio do Planalto. Daí que suas bisbilhotagens acabaram por focar personagens como José Dirceu e Dilma Rousseff.
Pode-se deduzir da leitura do livro de Raimundo Pereira que foi a falta de foco do delegado no objeto inicial de sua missão, aliada à sua pretensão de querer consertar o mundo, que permitiram que Daniel Dantas só tenha sido condenado por crime de corrupção numa sentença que está em recurso. Caísse o seu caso em mãos mais competentes e mente mais lúcida, a sorte do banqueiro poderia ter sido bem pior.
Os relatórios do delegado
Raimundo Pereira analisou as duas versões do relatório de Protógenes para a Operação Satiagraha. O papelório está dividido em duas partes: a primeira é constituída basicamente do laudo pericial dos dados contábeis levantados dos HDs dos computadores do Opportunity apreendidos pela Polícia Federal na Operação Chacal. Segundo Pereira, Protógenes Queiroz (foto) não entendeu do que se tratava, provavelmente por falta de conhecimento técnico. Entre as sandices que comprovam a ignorância do delegado está a acusação feita por ele de que Naji Nahas recebia informação privilegiada do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos.
De qualquer forma, a denúncia feita contra Dantas — aplicação ilegal de fundos de investidores residentes no Brasil em um fundo em Cayman — foi analisada também pelo Banco Central e pela CVM que não conseguiram comprovar o ilícito. Por sinal, a legislação atual já não tipifica como crime o tipo de transação em questão.
Sobre os conhecimentos financeiros distribuídos nas páginas do relatório da Satiagraha por Protógenes, Raimundo escreveu: "É quase inacreditável que o delegado Protógenes Queiroz, que se dizia um especialista na investigação de crimes financeiros, tenha escrito o que consta em seus relatórios do inquérito contra as "quadrilhas" de Daniel Dantas e Naji Nahas. E é igualmente incrível que o juiz Fausto De Sancits tenha, a partir desses relatórios, dado autorização para não só grampear duas dúzias de pessoas como também prendê-las".
A outra parte do relatório é feita com base nos grampos e em suas interpretações livres e delirantes. Nesse ponto, as conclusões a que chega o livro apontam para problemas mais graves. De acordo com o autor, o delegado, com a colaboração de assessores desprovidos de qualquer habilitação técnica para a tarefa, distorceu, manipulou e fraudou gravações para produzir as provas que se ajustassem a seus propósitos.
O melhor exemplo dos delírios interpretativos dos grampos é de uma conversa entre Daniel Dantas e Humberto Braz, seu assessor e ex-presidente da Brasil Telecom. Raimundo Pereira descreve no livro: "Acima está a transcrição de um grampo de uma conversa de Daniel Dantas e seu sócio Humberto Braz, que consta das páginas 71 e 72 do relatório do delegado Protógenes Queiroz. Ele começa com Humberto dizendo 'alô'. (...) No pé da página 71, em negrito aparece uma referência a Protógenes, escrita em maiúsculas. Perto do final da 72, tem uma frase, também em negrito, que termina em 'entrar em contato'. Essas duas páginas foram usadas para convencer o juiz Fausto de Sanctis que Dantas mandou procurar Queiroz para suborná-lo. O repórter ouviu o grampo. Percebe-se nitidamente que são duas conversas distintas, separadas por uma pausa grande. A primeira se refere a Protógenes. A segunda tem a ver com um tal Otávio, escrito em maiúsculas no alto da página 72. Quem é Otávio?". O próprio Raimundo responde que é Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez Telecom, que na época negociava, pela Oi, a compra da Brasil Telecom, da qual Daniel Dantas era um dos donos.
Se o mau desempenho do delegado pode ter livrado Daniel Dantas de uma denúncia consistente de algum crime financeiro, Raimundo Pereira deixa claro que a performance de Protógenes deixou a imprensa em má situação na história. Não por acaso ou por ingenuidade. Em um caso, pelo menos, o mais poderoso órgão de imprensa do país, resolveu tomar parte ativa na armação engendrada por Protógenes para pegar Dantas.
Ação sem controle
No dia 19 de junho de 2008, com autorização do juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Protógenes promoveu uma "ação controlada" — um encontro do delegado Victor Hugo, que fazia parte da equipe de Protógenes, com Humberto Braz, assessor de Daniel Dantas, para receber o dinheiro do suborno que Dantas estaria pagando para se livrar do inquérito da PF. O encontro, no restaurante Tranvia, de São Paulo, seria gravado pela PF para servir de prova para condenar o banqueiro por corrupção ativa.
O livro mostra, com base em documentos apreendidos pela própria PF no inquérito que instaurou para apurar acusações contra Protógenes por fraude processual e por vazamento de informações sigilosas, que a ação controlada foi feita sem controle algum. As imagens não foram gravadas pela PF, mas, sim, por profissionais da TV Globo convocados por Protógenes. Uma troca da favores. Assim como Protógenes dava informação privilegiada para a Globo, a emissora estava lhe prestando um serviço. O livro mostra também que as gravações da cena do suposto suborno foram editadas, o que é legalmente vedado. As conclusões do livro são semelhantes às do juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal, que nesta semana condenou Protógenes pelos crimes de que foi acusado.
A cobertura do caso por outros grandes veículos de imprensa, como a revista Veja, os jornais O Globo e Folha de S.Paulo também é analisada pelo autor e não merecem elogios. Pereira conta uma história para dar a dimensão do poderio da imprensa nas decisões judiciais. Preso durante a Operação Satiagraha, Humberto
Braz foi solto por um Habeas Corpus obtido no Supremo Tribunal Federal, por decisão do ministro Eros Grau. A decisão do STF ficou famosa pelo confronto entre Grau e outro ministro, Joaquim Barbosa, que se insurgiu contra ela: "Como é que você solta um cidadão que apareceu no Jornal Nacional oferecendo suborno".
O livro de Raimundo Pereira (foto) funciona mais ou menos como um Habeas Corpus da informação. Ele não prova a inocência de Daniel Dantas, mas tenta mostrar que o maior escândalo financeiro do país foi, na verdade, a maior campanha política, policial, judicial e midiática feita no país contra um cidadão.
Fonte: Consultor Jurídico