sexta-feira, 4 de junho de 2010

Desmilitarização e unificação da polícia está parada no Senado



Foto: Contas Abertas
do Contas Abertas
O Brasil é o país em que mais pessoas são mortas por armas de fogo no mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2003 foram mortas a tiros 36 mil pessoas, o equivalente, em média, a 100 brasileiros por dia, 40 deles jovens.
Enquanto isso, no Congresso, apesar de vários projetos que tratam de segurança pública estarem tramitando, alguns ainda estão parados. Um deles é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 21, que desconstitucionaliza o artigo 144 da Constituição Federal, que trata de segurança pública. Com isso, cada estado teria autonomia para gerir as suas instituições policiais, abrindo espaço para a criação de um único órgão, formado pela união da Polícia Civil e Militar.
O projeto decide que os policiais estaduais (junção da Civil com a Militar) terão a mesma formação profissional, que será desenvolvida em parceria com universidades e centros de pesquisa. A integração também vai atingir os institutos de criminalística, de identificação e de medicina legal, que formariam um órgão autônomo único.
A PEC 21, criada em 2005 pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), define também que os atuais integrantes das polícias rodoviária e ferroviária federal sejam enquadrados no quadro da Polícia Federal. A proposta ainda estabelece que as ações judiciais contra policiais e bombeiros estaduais e do Distrito Federal sejam julgadas pela justiça comum das respectivas regiões e não pela justiça militar.
A proposta estabelece ainda que a União, os estados, o DF e os municípios criem um fundo de segurança pública, cujos recursos se constituiriam de 5% da receita resultante dos impostos federais e 9% dos tributos estaduais e municipais. Vale lembrar que já existem três fundos que tratam do assunto: O Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e o Fundo de Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (Funapol). Em 2006, os três gastaram cerca de R$ 584 milhões.
A PEC 21 divide opiniões entre parlamentares, especialistas e entre as próprias instituições policiais. O deputado federal João Campos (PSDB-GO), delegado de polícia, acredita que a proposta não traz nenhuma vantagem à sociedade. “Alguns senadores estão tratando erroneamente do assunto. A PEC 21 não trata da unificação das polícias. Caberá ao governo estadual decidir isso. Ele é quem diz se as polícias vão continuar como estão, se vão aumentar, diminuir ou se unir”, explica.
Para ele, o projeto desmantela o sistema atual e não apresenta um outro modelo orgânico a nível nacional. “Mesmo que não seja o ideal, hoje nós temos um sistema de instituições policiais padronizado. Como ficará, caso a proposta seja aprovada, a integração das polícias, sendo elas diferentes de estado para estado?”, pergunta.
O deputado diz que não tem como fazer uma previsão de como será a polícia estadual proposta na PEC 21 e nem se ela economizaria dinheiro dos cofres públicos. “Com a autonomia dos estados, a polícia será definida pelo governador. Imagine se um deles, de um determinado partido, assume o mandato e resolve mudar toda a estrutura montada pelo ex-ocupante do cargo. A polícia deixaria de ser estadual e passaria a ser de governo, partidária”, critica. Quanto às críticas de que muitos praças da PM e do Corpo de Bombeiros fazem, dizendo que o chamado “alto clero” das instituições policiais teme perder poderes caso a PEC seja aprovada, o delegado afirma que as pessoas que falam isso estão totalmente desorientadas.
“A desconstitucionalização não tem nada a ver com a política de comando dos órgãos. Não há nenhum fundamento nisso, quem fala que os ocupantes do alto escalão vão perder privilégios e poderes, não sabe de nada. As indicações aos cargos de coronéis, por exemplo, continuarão sendo feitas pelas mesmas autoridades competentes. Na verdade, os poderes vão aumentar, já que a escolha terá um peso partidário”, acredita, lembrando que os coronéis que ajudarem na campanha de determinado político, por exemplo, terão vantagens sobre outros aspirantes ao cargo.
João Campos afirma que o grande problema da polícia é a falta de investimentos. “Alguns parlamentares foram à Colômbia e voltaram falando que o Brasil deveria seguir o mesmo exemplo de lá, de uma única polícia para todo o país. Só que a nossa nação é federativa, tem diversos estados. Temos três polícias e cada estado tem duas. Como seria feito isso?”, pergunta. E conclui: ”essa PEC 21 é um samba doido. As proposições da unificação não estão definidas. Cada um faz o que desejar. A proposta não tem chance nenhuma de ser aprovada, porque, se for, a bandidagem será a grande beneficiada”.
O deputado distrital Cabo Patrício (PT), ex-policial militar, pensa diferente. Para ele, a PEC 21 trará muitos benefícios à população, além de uma economia aos cofres públicos. “A polícia unificada e desmilitarizada seria muito mais eficiente e econômica do que as três instituições que temos hoje nos estados: Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e Polícia Civil. Os serviços de inteligência desses órgãos atualmente trabalham separadamente, o que prejudica a eficácia de combate ao crime”, afirma. O ex-policial lembra que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, onde a proposta está parada, aprovou requerimento para a realização de audiência pública com entidades do setor. A reunião ainda não tem data definida.
De acordo com o deputado, com o sistema atual, não há motivação nem perspectiva profissional para cerca de 1,5 milhão do efetivo. “10% dessa quantia, que representa o alto comando das instituições policiais, não pode colocar seus interesses acima da maioria”, critica, lembrando que houve pressão da cúpula no Senado para que a PEC não tramitasse. Cabo Patrício diz que as características estaduais de cada localidade devem ser tratadas particularmente. “No Rio de Janeiro, por exemplo, há uma guerra urbana declarada que mata milhares de pessoas todos os anos. Em Brasília, já é outra realidade. Cada cidade tem suas peculiaridades. A PEC 21 trata disso, da autonomia estadual”, explica.
O pesquisador de Gestão de Políticas Públicas do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), doutor em Sociologia com pesquisas em violência, Antonio Flávio Testa, concorda com o deputado distrital. Testa acredita que a PEC, em si, é um grande avanço gerencial no sistema de segurança pública brasileiro. “A PEC está estruturada nos princípios de racionalização e integração, isto significa que, se implementada, haverá menos desperdício de recursos financeiros, de tempo e de insumos para a segurança pública”. Para o antropólogo, a forma como o sistema está estruturado leva a excessiva burocratização e dispêndios desnecessários. “Com a integração, se ganha tempo e agilidade para combater o crime e agir preventivamente, antecipando-se as ações da criminalidade”, afirma.
Testa, que também é cientista político, diz que a emenda detalha uma série de ações a serem realizadas, reestruturando o sistema nacional de segurança pública, com o objetivo de modernizar racionalizando e integrando. “A PEC 21 considera as peculiaridades regionais brasileira, que exigem ações mais racionais para promover a segurança pública. Essa racionalização proposta induz à descentralização de ações permitindo maior capacidade operacional aos estados e municípios no combate e prevenção ao crime”.
Segundo ele, a PEC propõe também o aperfeiçoamento na formação única das polícias, o que melhoraria a qualificação e aproximaria o sistema de segurança do mundo acadêmico. “Isso deverá otimizar o desempenho policial técnica e psicologicamente, além de ampliar os laços relacionais de cidadania entre polícia e sociedade”.
O pesquisador não vê pontos negativos na proposta. No entanto, diz que mudanças estruturais em sistemas políticos incidem sobre interesses arraigados e geram resistências de grupos de poder que, de acordo com Testa, enxergam nas mudanças possibilidade de perda de poder e prestígio. “Haverá resistência e dificuldades de aprovação. E, se um dia for promulgada, haverá necessidade de se ordenar o novo sistema. Assim, ele pode ficar vulnerável às oscilações políticas e às pressões regionais e locais exercidas pelos diversos grupos de interesses, gerando reflexos em todos os níveis, o que pode vir a comprometer sua funcionalidade”, explica.
O sociólogo acredita que, se a PEC 21 for implementada racionalmente, poderá aumentar a eficiência da ação policial, principalmente porque dará mais agilidade ao fluxo de informações que, em tese, aumenta a capacidade tanto de resposta como de antecipação às ações do crime. “Quanto à diminuição da violência, não creio que a PEC resolve. A violência tem raízes mais profundas e está localizada, essencialmente, no núcleo familiar brasileiro. Pode ser que aumentando a repressão diminua alguns tipos de ações criminosas, mas a violência social precisa, para diminuir, que haja a integração de outros sistemas públicos e sociais, aumentando suas eficácias e promovendo o desenvolvimento humano e cidadão no país. Estamos muito distante desse objetivo ainda”, lamenta.
A assessoria de imprensa do senador Tasso Jereissati informou que a proposta foi retirada de pauta para que houvesse uma maior discussão sobre o tema. Segundo a assessoria, não há previsão para a votação da PEC.

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