terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Praças e Oficiais PM – qual a diferença?

Eis um assunto polêmico, para ser tratado com cautela e apuro crítico: as relações e diferenças entre praças e oficiais no âmbito das corporações policiais militares brasileiras. Mas nenhum tema deixa de ser tabu sem que haja discussões sérias visando o fim dos (des)entendimentos preconcebidos e distorcidos. Neste contexto, nosso blog pode contribuir para que essa discussão seja efetuada, repito, de modo sério e crítico.
A primeira observação é que a estrutura hierárquica das corporações policiais militares brasileiras é oriunda das nossas Forças Armadas, mais especificamente do Exército. Nesta estrutura, existem duas formas de ingresso na Corporação PM, através da carreira das praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) ou no quadro dos oficiais (tenentes, capitães, majores e coronéis).

Por que duas formas de ingresso?

As carreiras de praça e oficial PM se distinguem primordialmente pelo tempo e caráter da formação, tendo os primeiros algo como um curso técnico e os segundos um curso superior (geralmente reconhecido pelo MEC como tal). Há estados brasileiros em que se exige nível superior para ingresso em quaisquer carreiras, sendo exigida a especificidade do curso de Direito para se tornar oficial PM.
Há quem defenda uma única via de entrada pelas corporações PM, iniciando-se da menor graduação (soldado PM). Aqui cabe uma questão: o que se ganha fazendo com que a carreira seja unificada, uma vez que não se pode abrir mão duma formação diferenciada para os policiais que serão gestores? De todo modo, seria impossível que todos os policiais chegassem aos escalões superiores, já que a estrutura de pessoal de qualquer administração é piramidal (mais executores do que gestores).
A proposta de unificar as carreiras não fará com que uma corporação de 20.000 homens tenha 20.000 coronéis – idéia de alguns que parecem querer, talvez ingenuamente, implantar o socialismo na sociedade a partir das estruturas da PM. Mas este é um entendimento aparentemente alimentado por um revanchismo que tem razão de ser, sobre o qual tratarei adiante.

A Praça pode ser Oficial?

Neste ambiente de recorte das carreiras, é desejável que policiais que ingressaram como soldados cheguem a postos mais elevados no âmbito da corporação, tal como um mestre de obras que se torne engenheiro terá mais entendimento das peculiaridades da profissão. Mas é imprescindível que existam formação e capacitação proporcionais à responsabilidade que será adquirida na nova função.
Políticas institucionais voltadas para a facilitação do acesso de policiais militares que queiram deixar a base em direção ao topo são fundamentais, geram motivação e trazem ganhos à corporação.

Revanchismo e segregação

O que alimenta o revanchismo existente entre as carreiras nas polícias, algo presente não apenas na PM, mas também nas polícias civis, que vivem o conflito interno entre delegados e agentes? Primeiro, observemos os valores e princípios capitalistas, que aliados à formação cultural do nosso Brasil trazem perversões nas relações entre quaisquer que sejam os “diferentes”. Ser “superior hierárquico” para muitos pode parecer ser “melhor” enquanto pessoa, mais digno de direitos que os demais.
São estes os ingredientes que compõem boa parte das relações sociais em nosso país, onde sempre alguém procura ser o “senhor”, demandando, naturalmente, que exista um “escravo”. Nas polícias militares alguns procedimentos e normas fazem com que o oficialato mais pareça uma casta do que meramente uma carreira com funções e atribuições distintas das praças. Possuir uniformes exclusivos (e não apenas a designação diferente do grau hierárquico), criar ambientes segregados (como refeitórios) e outros privilégios apontam para a existência de uma superioridade que vai além da questão funcional.
Os regulamentos, que precisam ser revistos e adequados à Constituição Federal, ainda prevêem punições drásticas como a prisão administrativa e o cerceamento da liberdade de expressão, sanções que recaem maiormente sobre aqueles que são comandados – não obstante exista casos de oficiais sofrendo tais represálias.

Os oficiais e a liderança

Em qualquer organização, os gestores precisam trilhar o caminho da liderança. Não é diferente nas polícias militares, que lidam com bens jurídicos cruciais para a existência da sociedade. Todos os grandes oficiais que conheci entenderam bem a diferença meramente funcional entre si e seus comandados, e agem como os líderes geralmente o fazem, com humildade, ponderação, utilizando-se das pessoas que o cercam para tomar decisões.
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A utilização perversa de mecanismos como os acima sugeridos, fizeram com que caísse sobre os oficiais uma generalização de perseguição e abuso. Lamentável, pois é óbvio que muitos oficiais são líderes, lutam por seus comandados, e têm convivência salutar com eles. Para dissipar tais estigmas, é preciso que as praças entendam esta dinâmica, e valorizem aqueles que não se adéquam às posturas negativas aqui discutidas. Destacar o positivo é o mesmo que diminuir o negativo.
Por outro lado, os ocupantes de cargos estratégicos das corporações PM não podem tolerar abusos nem perseguições, tampouco devem evitar ser justos porque um servidor policial faz parte de uma ou outra carreira.
Estes são apenas alguns pontos duma discussão que pode e deve ser ampliada, sempre com o cuidado de evitar as generalizações e visões preconcebidas. Dialogar e reconhecer as inconsistências são o primeiro passo para encontrar soluções plausíveis para nossos problemas.

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