A proposta feita pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, de criar um piso salarial de R$ 3.200 para policiais civis e militares de todo o País é inviável, afirmam especialistas. O grande efetivo e as diferenças econômicas entre os estados barrariam a iniciativa.
De acordo com o último levantamento do Ministério da Justiça, de 2007, entre os policiais militares do País, apenas os do Distrito Federal tem piso maior que R$ 2.000. O salário mínimo dos policiais do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Pará, por exemplo, não chegam a R$ 1.000.
Para estudiosos de segurança pública, o aumento dos salários de policiais é uma demanda mais que urgente. Alguns casos, como os do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul – com pisos de cerca de R$ 900 e R$ 800, respectivamente - já atingiram níveis críticos. “Não é possível que a gente espere que policiais mal pagos, muitas vezes morando em favelas, não se corrompam, não se seduzam com propinas. É fundamental a melhoria desses salários”, afirma a diretora do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, Julita Tannuri Lemgruber.
No entanto, embora urgente, o montante necessário para garantir tamanho salto salarial parece não estar disponível. O professor do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília Arthur Trindade Costa afirma que os grandes efetivos policiais do País inviabilizariam a proposta. “É um gasto muito alto. É um efetivo gigantesco. Acho muito pouco provável que essa ideia vingue”.
De acordo com dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública, os estados brasileiros gastaram, ao todo, R$ 33,5 bilhões com segurança pública em 2007. A maior parte deste gasto destina-se ao pagamento de salários de policias militares, civis e bombeiros. Entre estes policiais – cerca de 600 mil – a grande maioria recebe salários menores do que o proposto por Tarso.
Para se ter um ideia, se o estado da Bahia decidisse adotar o novo piso, teria que somar aos R$ 1,7 bilhão já gastos em segurança pública por ano, mais R$ 710 milhões. O Estado de Pernambuco, que tem cerca de 20 mil dos 25 mil policiais ganhando menos que R$ 3.200, teria que investir mais R$ 470 milhões. Para Costa , o que é possível fazer no momento, “é realmente aumentar os salários no Rio do Janeiro“.
O Ministério da Justiça anunciou que pretende subsidiar o aumento do piso salarial dos policiais cariocas entre 2010 e 2016, na ação intitulada “Bolsa Olímpica”. De um mínimo que gira em torno de R$ 800, os mais baixos escalões passarão a receber os R$ 3.200. Tarso Genro afirmou que está trabalhando junto à Comissão de Orçamento do Congresso Nacional para reservar, em 2010, cerca de R$ 900 milhões para garantir o aumento. A ação é do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), órgão do Ministério da Justiça criado em 2007 para promover a qualificação e a melhoria da segurança pública nos estados.
A coordenadora do Curso de graduação em Segurança Pública da Universidade Católica de Brasília e ex-coordenadora de analise criminal da Secretaria Nacional de Segurança Pública (2003 e 2004) Marcelle Figueira aprova a iniciativa, mas critica o foco nas datas celebrativas. “No Rio, a questão do salário é uma das coisas mais fundamentais, mas é importante que isso não tome o caráter de uma ação apenas para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas”.
Redução da violência policial
Julita Lemgruber defende que, para continuar dando benefícios aos estados, o Ministério da Justiça cobre melhorias nos serviços de segurança pública. “É fundamental que estabeleça metas, principalmente relativas à redução da violência letal da ação policial. Até hoje, o Ministério da Justiça vem distribuindo verbas sem pedir retornos efetivos. Depois de quase dois anos, o Pronasci já está legitimado para exigir a redução dos homicídios”.
De acordo com dados divulgados pela ONG Human Rights Watch no último dia 8, a polícia do Rio de Janeiro matou 1.137 pessoas em 2008, e a de São Paulo, 397. No mesmo ano, toda polícia dos EUA matou 371 pessoas.
“Por incrível que pareça, ainda há uma crença de que a política do confronto funciona”, disse Lemgruber. “Há uma ideia de que a polícia precisa mostrar firmeza, só que essa firmeza provoca mortes”, contesta.
Entre os entrevistados, é consenso que apenas a melhoria salarial não é suficiente para diminuir o número de mortes em operações policiais e melhorar o serviço prestado. Eles defendem maior planejamento, investimento em setores de inteligência, punição à corrupção, e a substituição da política de enfrentamento por uma polícia vinculada ao cotidiano dos bairros.
“A lógica da asfixia [dos criminosos] não funciona. A solução é a presença cotidiana da polícia na comunidade, garantindo segurança para quem vive ali e eliminando concentrações de violência”, defende o fundador e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública José Marcelo Sallovitz Zacchi.
Segundo Arthur Costa, a proposta não é nova e já mostrou resultados satisfatórios em outros países. “Em 1972, a Polícia de Nova Iorque adotou normas de conduta. No mesmo ano, 91 pessoas tinham sido mortas pela polícia. Em 1973, o número caiu para 11. A partir daí, inúmeras outras polícias do mundo passaram a adotar normas de conduta. Recentemente, dois ou três estados adotaram semelhantes sistemas: São Paulo, Minas Gerais e Goiás. O sistema consiste em evitar ao máximo o uso das armas de fogo”.
Julita Lemgruber explica que a polícia de São Paulo criou uma divisão com cerca de 600 investigadores e que estaria esclarecendo cerca de 60% dos homicídios, enquanto a polícia dos Rio não esclareceria mais que 16% deles. “A impunidade também é um estímulo ao mau serviço policial”.
O relatório da Human Rights afirma que parte “substancial” dos mais de 11 mil casos de resistência seguida de morte registrados nos Estados do Rio e de São Paulo desde 2003 podem ter sido, na verdade, execuções extrajudiciais.
*Com BBC Brasil e Agência Estado
Fonte: http://capitaoassumcao.blogspot.com/
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