Luiz Eduardo Soares - antropólogo, mestre em Antropologia Social e doutor em Ciência Política
Para Luiz Eduardo Soares, mudanças só virão com coalizão política
Como reduzir de forma consistente os índices de criminalidade e violência se o próprio Estado (no sentido de país) é um propagador de ambas? A solução do problema da segurança pública no Brasil passa, necessariamente, por esse paradoxo. A opinião é do antropólogo, mestre em Antropologia Social e doutor em Ciência Política Luiz Eduardo Soares. O pesquisador, conhecido por ser um dos autores dos livros Elite da Tropa e Elite da Tropa 2, que deram origem aos dois filmes Tropa de Elite, esteve na Capital ontem participando de eventos na Esade e na Ufrgs e autografando na Feira do Livro.
"Temos 50 mil homicídios dolosos por ano no Brasil. E não são números confiáveis, dadas as taxas de sub-registro. É um assombro. E os que estão morrendo são, em sua maioria, jovens pobres, moradores de periferias e, geralmente, negros", observa Soares, que em 2003 foi secretário nacional de Segurança Pública. O antropólogo aponta a situação no Rio de Janeiro como a mais grave de todo o País. "O Rio é uma espécie de laboratório da barbárie. De 2003 a 2009, os policiais mataram 7.854 pessoas." Conforme ele, dados de 2003 apontam que 70% foram execuções extrajudiciais. "Se isso não nos choca é porque perdemos as noções de humanidade", enfatiza.
Soares cita um acontecimento recente ocorrido na favela da Maré, que mostra qual é a visão que o aparato policial tem da questão. "Um menino de 10 anos morreu vítima de uma bala perdida em sala de aula. O comandante da operação disse que era difícil avaliar o resultado da ação, pois haviam matado uma criança, mas também tinham matado três vagabundos. Foi três a um. Perdemos um, mas matamos três", diz.
Segundo o escritor, o Brasil herdou da ditadura um modelo de polícia. Para ele, a transição negociada para a democracia deixou as instituições policiais à margem das transformações ocorridas no País. O fato de as correntes esquerdistas terem se calado em relação a isso tem explicações. "Eles tinham uma relação muito negativa com a polícia. Uma relação psicológica difícil, pois haviam sido perseguidos e até torturados. Outra causa está na visão leninista de que a polícia é um aparelho do Estado que serve para manter a diferença entre classes sociais", ressalta.
Conforme Soares, com os conservadores não querendo mudanças e os opositores desconsiderando o tema, as estruturas organizacionais se mantiveram. "E não há lideranças políticas dispostas a pôr a mão no vespeiro, nos condenando à manutenção desse quadro", observa. "Uma reforma no modelo policial levaria uns dez anos. Reestruturar sem promover anarquia institucional leva tempo. E não pode ser uma ação de governo, tem de ser de Estado. Mas quem estaria disposto a pôr em risco uma carreira política para fazer isso?", questiona.
Conforme o estudioso, o modelo policial herdado da ditadura não se coaduna com a realidade atual. "As polícias militares são organizadas como o Exército, que tem a função de destruir o inimigo. Já a função da polícia é defender os direitos existentes na Constituição."
Soares vê na transformação da estrutura policial um caminho para que os problemas relacionados à segurança pública venham a ser resolvidos. "Só vamos alcançar uma transformação séria nessa área se conseguirmos alcançar uma coalizão política. Essa coalizão, porém, não ocorrerá naturalmente. Por isso a sociedade deve pressionar e saber que o populismo, o encarceramento em massa e a demagogia penalista não são as respostas que queremos", conclui.
AUTOR: Jornal do Comércio
Fonte:http://toxina1.blogspot.com
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