A minha relação virtual com o antropólogo Luiz Eduardo Soares equivale à que mantenho com o meu Mengão: ora meu time me leva ao êxtase, ora me conduz à extremada irritação. Quando o Mengão vence, dou o braço a torcer e aplaudo; quando perde ou empata, disparo pragas e pragas contra tudo que é jogador, dirigente, técnico etc. E assim eu sigo torcendo pelo time do meu coração.
No caso do renomado estudioso, quando ele critica a polícia, mais particularmente a PMERJ, para mim funciona como ouvir um vascaíno mangar das cores rubro-negras. Mas, cá pra nós, em meio a muita desrazão e algum desconhecimento da nossa cultura intramuros (no fim de contas, ele não tem a vivência do PM), na maioria das vezes em que ele aborda o tema lhe escudam sobejas razões e vasto conhecimento de causa...
Daí, – e dando o meu braço à torcedura máxima, – não resisti e capturei do blog do Coronel PM Josias Quintal um texto do estudioso pela simples razão de que o considerei lapidar. Não apenas este: guardo outros e outros, que estou estudando, sobre os quais gravarei posteriormente minha opinião. Assim o farei para que os leitores reflitam sobre as muitas alternativas que traçarão o futuro desenho da segurança pública brasileira, cujo modelo, – como eu venho admitindo há anos, – é anacrônico e antidemocrático, a começar por seu ultrapassado título constitucional (“Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”). Não é questão somente de reformar a polícia brasileira...
Boa parte do que defendo está excelentemente grafado pelo supracitado antropólogo e cientista político, o que me obriga a tornar pública minha mea culpa em prol da causa de uma Polícia Militar verdadeiramente cidadã. Não significa, porém, que eu vá sempre concordar com ele em outras ocasiões e não mais me irritar com algumas caneladas que receberei nas suas entrelinhas que não são a mim endereçadas, mas culmino absorvendo-as. Pois ele joga duro com o tema, e eu também, embora nesse caso, em aceitando o irretocável argumento dele, não me envergonha dizer que tenho cá minhas reações corporativistas. Ora bem, vamos embarcar no primeiro “trem-bala” do Professor Luiz Eduardo Soares, com cinto de segurança para me firmar nas curvas dos nossos contrastes e consensos... Mas, que seria do mundo se não houvesse a dialética?...
No caso do renomado estudioso, quando ele critica a polícia, mais particularmente a PMERJ, para mim funciona como ouvir um vascaíno mangar das cores rubro-negras. Mas, cá pra nós, em meio a muita desrazão e algum desconhecimento da nossa cultura intramuros (no fim de contas, ele não tem a vivência do PM), na maioria das vezes em que ele aborda o tema lhe escudam sobejas razões e vasto conhecimento de causa...
Daí, – e dando o meu braço à torcedura máxima, – não resisti e capturei do blog do Coronel PM Josias Quintal um texto do estudioso pela simples razão de que o considerei lapidar. Não apenas este: guardo outros e outros, que estou estudando, sobre os quais gravarei posteriormente minha opinião. Assim o farei para que os leitores reflitam sobre as muitas alternativas que traçarão o futuro desenho da segurança pública brasileira, cujo modelo, – como eu venho admitindo há anos, – é anacrônico e antidemocrático, a começar por seu ultrapassado título constitucional (“Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”). Não é questão somente de reformar a polícia brasileira...
Boa parte do que defendo está excelentemente grafado pelo supracitado antropólogo e cientista político, o que me obriga a tornar pública minha mea culpa em prol da causa de uma Polícia Militar verdadeiramente cidadã. Não significa, porém, que eu vá sempre concordar com ele em outras ocasiões e não mais me irritar com algumas caneladas que receberei nas suas entrelinhas que não são a mim endereçadas, mas culmino absorvendo-as. Pois ele joga duro com o tema, e eu também, embora nesse caso, em aceitando o irretocável argumento dele, não me envergonha dizer que tenho cá minhas reações corporativistas. Ora bem, vamos embarcar no primeiro “trem-bala” do Professor Luiz Eduardo Soares, com cinto de segurança para me firmar nas curvas dos nossos contrastes e consensos... Mas, que seria do mundo se não houvesse a dialética?...
A força policial é a única das instituições nacionais que não foi reformada após o fim da ditadura.
A sociedade brasileira cumpriu uma trajetória histórica, que custou o sacrifício de muitas vidas: transitou da ditadura para a democracia, adaptando, através da promulgação da Constituição cidadã, em 1988, as instituições nacionais ao novo contexto, marcado pelo respeito às liberdades individuais e aos direitos civis. Esse enorme esforço coletivo envolveu o investimento na redefinição das metas, dos métodos e dos valores de nossas principais organizações. Por mais paradoxal que seja, uma instituição foi esquecida nas trevas do passado autoritário: a polícia. Conservadores, liberais e progressistas debateram o destino de cada órgão público e disputaram a liderança de cada processo de reforma. Entretanto, não apresentaram à opinião pública projetos que adequassem a polícia à democracia. Afinal, o que seria a polícia do estado de direito democrático?
Essa omissão histórica condenou a polícia à reprodução inercial de seus hábitos atávicos: a violência arbitrária contra pobres e negros, a tortura, a chantagem, a extorsão, a humilhação cotidiana e a ineficiência no combate ao crime, sobretudo quando os criminosos vestem colarinho branco. Claro que há e sempre houve milhares de policiais honestos, corretos, dignos, que tratam todos os cidadãos com respeito.
Mas as instituições policiais, com raras exceções regionais, continuam a funcionar como se estivéssemos em uma ditadura ou vivêssemos sob um regime de apartheid social. A finalidade era construir uma espécie de cinturão sanitário em torno das áreas pobres das regiões metropolitanas, em benefício da segurança das elites.
Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o esquecimento da polícia, no momento da repactuação democrática, em certa medida, acabou sendo funcional para a perpetuação do modelo de dominação social defendido pelos setores mais conservadores. Ou seja, essa negligência talvez tenha sido mais um golpe de esperteza do que uma indiferença política. Mas o fato é que a polícia permanece prisioneira dos anos de chumbo e organizada para defender o Estado e não os cidadãos, o que ocorreria se as leis fossem respeitadas pelas instituições que as aplicam.
A conseqüência da ausência de projetos de reforma é tudo isso que conhecemos: degradação institucional da polícia e corrosão de sua credibilidade, ineficiência investigativa e preventiva, ligações perigosas com o crime organizado e desrespeito sistemático aos direitos humanos. Ou seja, a polícia, abandonada pelo processo da transição democrática, retorna do passado sombrio como um espectro a nos assombrar. A dinâmica é parecida com o mecanismo individual da neurose: aquilo que reprimimos e procuramos esquecer porque não conseguimos elaborar e integrar à vida interior e às nossas emoções retorna com a força da energia recalcada e perturba nosso equilíbrio, subvertendo nossa felicidade.
É preciso salvar a polícia do passado, torná-la contemporânea do presente democrático e reinventá-la para o novo contexto político. É necessário tirá-la do armário em que guardamos os fantasmas históricos. Libertar a polícia do passado implica inverter sua identidade e seus fins institucionais: ela existe para garantir as liberdades e os direitos, consagrados nas leis, inscritas na Constituição democrática. Ela só pode fazer cumprir as leis se as cumprir. Para que essa virada profunda aconteça, a PM terá de cortar seu cordão umbilical com o Exército, adaptar seu regimento disciplinar medieval ao nosso século e atribuir prioridade ao trabalho comunitário e à prevenção, via diagnóstico dos problemas e planejamento estratégico.
A Polícia Civil terá de ser inteligente, amparada por uma perícia autônoma e tecnologicamente sofisticada. A confiança da sociedade terá de ser reconquistada e o controle da corrupção será o grande alvo do governo. Os salários dos policiais terão de respeitar a importância de sua atividade, viabilizando o cumprimento da lei que proíbe o trabalho na segurança privada. Finalmente, a própria divisão entre as instituições policiais deverá ser suprimida. Poderá haver uma, duas ou muitas polícias (o que será possível com a desconstitucionalização da matéria). O problema não está no número. Os Estados Unidos têm 19 000 departamentos de polícia. O problema está no fracionamento do ciclo do trabalho policial. É necessário que todas as polícias cumpram o ciclo completo, que envolve as tarefas ostensivo-preventivas e investigativas.
* LUIZ EDUARDO SOARES é antropólogo e cientista político, ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do governo do Estado do Rio de Janeiro, responsável pelo programa de segurança pública da Prefeitura de Porto Alegre e membro da coordenação que elaborou o Plano Nacional de Segurança do Instituto Cidadania.
A sociedade brasileira cumpriu uma trajetória histórica, que custou o sacrifício de muitas vidas: transitou da ditadura para a democracia, adaptando, através da promulgação da Constituição cidadã, em 1988, as instituições nacionais ao novo contexto, marcado pelo respeito às liberdades individuais e aos direitos civis. Esse enorme esforço coletivo envolveu o investimento na redefinição das metas, dos métodos e dos valores de nossas principais organizações. Por mais paradoxal que seja, uma instituição foi esquecida nas trevas do passado autoritário: a polícia. Conservadores, liberais e progressistas debateram o destino de cada órgão público e disputaram a liderança de cada processo de reforma. Entretanto, não apresentaram à opinião pública projetos que adequassem a polícia à democracia. Afinal, o que seria a polícia do estado de direito democrático?
Essa omissão histórica condenou a polícia à reprodução inercial de seus hábitos atávicos: a violência arbitrária contra pobres e negros, a tortura, a chantagem, a extorsão, a humilhação cotidiana e a ineficiência no combate ao crime, sobretudo quando os criminosos vestem colarinho branco. Claro que há e sempre houve milhares de policiais honestos, corretos, dignos, que tratam todos os cidadãos com respeito.
Mas as instituições policiais, com raras exceções regionais, continuam a funcionar como se estivéssemos em uma ditadura ou vivêssemos sob um regime de apartheid social. A finalidade era construir uma espécie de cinturão sanitário em torno das áreas pobres das regiões metropolitanas, em benefício da segurança das elites.
Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que o esquecimento da polícia, no momento da repactuação democrática, em certa medida, acabou sendo funcional para a perpetuação do modelo de dominação social defendido pelos setores mais conservadores. Ou seja, essa negligência talvez tenha sido mais um golpe de esperteza do que uma indiferença política. Mas o fato é que a polícia permanece prisioneira dos anos de chumbo e organizada para defender o Estado e não os cidadãos, o que ocorreria se as leis fossem respeitadas pelas instituições que as aplicam.
A conseqüência da ausência de projetos de reforma é tudo isso que conhecemos: degradação institucional da polícia e corrosão de sua credibilidade, ineficiência investigativa e preventiva, ligações perigosas com o crime organizado e desrespeito sistemático aos direitos humanos. Ou seja, a polícia, abandonada pelo processo da transição democrática, retorna do passado sombrio como um espectro a nos assombrar. A dinâmica é parecida com o mecanismo individual da neurose: aquilo que reprimimos e procuramos esquecer porque não conseguimos elaborar e integrar à vida interior e às nossas emoções retorna com a força da energia recalcada e perturba nosso equilíbrio, subvertendo nossa felicidade.
É preciso salvar a polícia do passado, torná-la contemporânea do presente democrático e reinventá-la para o novo contexto político. É necessário tirá-la do armário em que guardamos os fantasmas históricos. Libertar a polícia do passado implica inverter sua identidade e seus fins institucionais: ela existe para garantir as liberdades e os direitos, consagrados nas leis, inscritas na Constituição democrática. Ela só pode fazer cumprir as leis se as cumprir. Para que essa virada profunda aconteça, a PM terá de cortar seu cordão umbilical com o Exército, adaptar seu regimento disciplinar medieval ao nosso século e atribuir prioridade ao trabalho comunitário e à prevenção, via diagnóstico dos problemas e planejamento estratégico.
A Polícia Civil terá de ser inteligente, amparada por uma perícia autônoma e tecnologicamente sofisticada. A confiança da sociedade terá de ser reconquistada e o controle da corrupção será o grande alvo do governo. Os salários dos policiais terão de respeitar a importância de sua atividade, viabilizando o cumprimento da lei que proíbe o trabalho na segurança privada. Finalmente, a própria divisão entre as instituições policiais deverá ser suprimida. Poderá haver uma, duas ou muitas polícias (o que será possível com a desconstitucionalização da matéria). O problema não está no número. Os Estados Unidos têm 19 000 departamentos de polícia. O problema está no fracionamento do ciclo do trabalho policial. É necessário que todas as polícias cumpram o ciclo completo, que envolve as tarefas ostensivo-preventivas e investigativas.
* LUIZ EDUARDO SOARES é antropólogo e cientista político, ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do governo do Estado do Rio de Janeiro, responsável pelo programa de segurança pública da Prefeitura de Porto Alegre e membro da coordenação que elaborou o Plano Nacional de Segurança do Instituto Cidadania.
Nenhum comentário:
Postar um comentário