sábado, 5 de junho de 2010

O uso de algemas no ordenamento jurídico brasileiro: excesso ou necessidade



“As algemas, também elas, são um símbolo do direito. Talvez elas sejam, pensando bem, o mais autêntico emblema jurídico, mais expressivo do que a balança e a espada. É necessário que o direito sujeite as nossas mãos.” 
Francesco Carnelutti 

Resumo: O uso de algemas no nosso país é caracterizado pela falta de legislação em âmbito nacional que dispense a adequada disciplina jurídica para a utilização deste instrumento de contenção física, que manejado pelas instituições policiais, e em face da carência de normatização pode culminar na violação de direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. O presente artigo foi realizado através dos métodos histórico-evolutivo, bibliográfico e exegético-jurídico em face de sua relevância à contextualização dos acontecimentos, como forma de se chegar a conclusões que sirvam para uma melhor compreensão acerca do tema. Objetiva-se analisar toda a problemática que se impõe através dos abusos que podem ser cometidos na utilização de algemas se não observados critérios como a moderação, prudência e proporcionalidade. Ao final, pretende-se, enriquecer o debate acadêmico e jurídico com a hipótese central baseada na tese de que o uso de algemas é, de fato, um instrumento necessário à manutenção da integridade física do agente policial, do conduzido e da própria sociedade e quando se utilizado adequadamente não constitui abuso. 

Palavras-chave: Uso de algemas.Necessidade. Proporcionalidade. 


Introdução 

A atual realidade brasileira é representada por uma conjuntura acelerada do crescimento da violência e da corrupção, pondo em risco a democracia e suas instituições, fazendo florescer na população o sentimento de impunidade e de descrença na justiça. Nesse contexto, desenvolve-se a polêmica acerca do uso de algemas, seja na área jurídica ou em outras camadas da sociedade brasileira. 
Essa polêmica ganha cada vez mais força quando se trata de operações policiais envolvendo a prisão de personalidades públicas, políticas e pessoas de classes sociais mais favorecidas, com a ampla exposição dada pela mídia. 
O ordenamento jurídico brasileiro é carente de uma legislação específica ou até mesmo de uma doutrina que defina em termos concretos as diretrizes para o uso de algemas. 
A prova dessa instabilidade são os vários projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional visando à regulamentação do assunto. 
Em meio a toda polêmica, encontram-se as instituições policiais, que lidam diariamente com a concreta necessidade de utilizar as algemas como meio de conter presos, tendo que primar pela segurança dos detidos, da população e dos agentes em serviço; tudo isso sem cometer abusos no desempenho de tal função. 
Com tudo isso se faz necessário, sob o ponto de vista constitucional, uma análise acerca do uso de algemas, fazendo uso dos princípios consagradores de direitos fundamentais e de respeito à dignidade da pessoa humana. Outro fator que acalora a discussão se refere à edição da súmula vinculante nº 11 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido orientar, na ausência de um diploma legal os motivos que ensejam durante o processo penal a utilização das algemas pelas autoridades policiais. 
O uso de algemas em ações policiais tem sido alvo de duras críticas, sendo analisado sob dois pontos de vista: o primeiro considera o emprego de algemas ilegal e injusto, partindo do pressuposto de que o ato de algemar provoca graves prejuízos aos direitos fundamentais do ser humano. O segundo pertence aqueles que defendem uma razão lógica para o uso devido de algemas, que primam pela segurança pessoal dos agentes policias, dos próprios presos e de terceiros. 
Pretende-se, sob o prisma do direito, compreender as implicações de fato e de direito que surgem diariamente, em meio ao crescimento da criminalidade; esse estudo tem como base o emprego dos métodos histórico-evolutivo no que se refere à origem e evolução do uso de algemas, bibliográfico para formação do material teórico e exegético jurídico para análise das preposições normativas a respeito do tema. 
Como forma de atingir os objetivos consignados, este artigo será estruturado em três capítulos: primeiro fará referência a evolução histórica do uso de algemas no Brasil; o segundo tem se a regulamentação existente no ordenamento jurídico brasileiro, o ordenamento pátrio será explorado a partir da Lei de Execução Penal até a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal e a Lei nº 11.689/2008. No terceiro e último capítulo será analisado a problemática relativa ao uso de algemas, uma vez que o emprego desnecessário e exagerado pode ferir direitos fundamentais da pessoa humana, os quais serão vastamente protegidos pela Carta Magna brasileira; além da atuação da mídia na transmissão de imagens de acusados algemados durante as operações policiais em verdadeiros espetáculos. 
Diante do exposto se justifica a presente discussão. Ante o histórico da sociedade brasileira, o uso de algemas deve ser embasado em meio a uma fundamentação legislativa rigorosa, seguindo os princípios da razoabilidade ou proporcionalidade, dentro do aspecto da necessidade de segurança física policial. 

1. Evolução Histórica do Uso de Algemas no Brasil 

No Brasil a regulamentação do uso de algemas remonta ao século XVII desde as Ordenações Filipinas; no inicio do século XIX, o então Príncipe Dom Pedro I, por meio de Decreto datado de 23 de maio de 1821, tomou providência s no sentido de garantir as liberdades individuais, ordenando o afastamento do uso de algemas em pessoas não julgadas. 
Posteriormente, com o Código Criminal do Império de 1830, foi prevista a pena de galés para os réus, excetuando-se as mulheres, os menores de 21 anos e os maiores de 60. Dois anos após a promulgação do Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império do Brasil, prevendo em seu art.180: “Se o réu não obedecer e procurar evadir-se,o executor tem direito de empregar o grau de força necessária para efetuar a prisão; se obedecer, porém o uso da força é proibido”. 
Mais tarde em 1871, quando ainda em vigor o Código de Processo Criminal do Império houve a promulgação do Decreto Imperial nº 4.824 em que voltava o uso de algemas a ser regido legalmente. Com o advento da Constituição da República, em 1934, ocorreu a reunificação processual. Em agosto de 1935 foi apresentado o Projeto de Código de Processo Penal em que era vedado o uso de algema. 
Em 03 de outubro de 1941 surge o Decreto-Lei nº 3.689 (Código de Processo Penal) que tratou diretamente do uso de algema, limitando-se a proibir o emprego de força indispensável em caso de resistência ou tentativa de fuga do preso. A lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, denominada Lei de Execução Penal (LEP), no qual o artigo 199 afirma que o emprego de algema será disciplinado por Decreto Federal. No entanto, passado quase vinte e cinco anos não houve regulamentação legal sobre o tema, que inclusive não poderá ser tratado por decreto. 
Ocorre que a LEP é anterior à Constituição Federal de 1988 e nela consta a determinação de privatividade na competência da União legislar em matéria penal e processual penal, através da lei ordinária, uma vez que das espécies normativas do art.59, o decreto legislativo é o instrumento normativo pelo qual serão materializadas as competências exclusivas do Congresso Nacional. 
Recentemente, a Lei nº 11.689 de 9 de junho de 2008 alterou o art.474 do Código de Processo Penal, incluindo o § 3º, cujo teor veda o “o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.” 
Por fim, em 13 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal aprovou a edição da décima primeira súmula vinculante, no sentido de explicar ou delimitar em quais as ocasiões seria lícito o uso de algemas no preso, assim dispondo: 
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. 

A partir de tal formulação do guardião da Constituição da República Federativa do Brasil pode-se, a priori, determinar o conteúdo da utilização de algemas, ante a ausência legal de regulamentação. As autoridades policiais ante as situações concretas apenas poderão utilizar das algemas quando preenchidos os requisitos formulados na súmula de número 11 do STF, sob pena de nulidade do ato praticado e de responsabilização do Estado. 

A Constituição Federal brasileira de 1988 ao proibir o tratamento desigual entre as pessoas o fez de forma a evidenciar certos aspectos que fomentem o preconceito não possam ser colocados gratuitamente como alicerce da discriminação. 
O preconizado Princípio da Isonomia está previsto expressamente no caput do art. 5 º da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. E para avigorar a idéia, a CF ainda menciona no inciso I: “garantido-se (...) o direito (...) á igualdade (...)”. Tal igualdade é tida como um dos direitos fundamentais dos cidadãos; infere-se do mencionado dispositivo constitucional que é assegurada a igualdade a todos os cidadãos, sem distinção alguma. 
Fazendo uso do art.242 do Código de Processo Penal Militar se verifica uma desigualdade completamente infundada, no qual conta um rol de pessoas que pelo simples fato de exercerem uma função pública não poderão ser algemadas, fato este que vai contra o principio da isonomia. 
É salutar ressaltar que desde 1984, a Lei de Execução Penal (LEP) prevê que o Poder Executivo discipline acerca do emprego de algemas por meio de Decreto Federal. No entanto, até hoje tal decreto não foi editado. A inércia do Executivo em regulamentar sobre tal questão, fez com que surgissem vários projetos de lei visando a regulamentação do assunto. A prova disso são os 14 projetos de lei e um projeto de decreto legislativo, que tramitam na Câmara dos Deputados, e têm como objeto principal regulamentar o uso de algemas, na tentativa de fixar a fronteira entre os direitos individuais do cidadão previstos na Constituição Federal, e a necessária atuação daqueles que estão sob sua custódia no ato da prisão. 
O projeto de maior destaque é o de nº 5.494/2005 que pretende modificar o artigo 199 da LEP, no qual ficaria dispensado o uso de algemas nos casos de réu primário, de bons antecedentes, que não resistir à prisão, não tentar a fuga ou se tratar de prisão em flagrante; é importante destacar que a LEP tem por finalidade disciplinar o cumprimento da sentença e a execução da pena imposta ao preso. 
O referido projeto pecou ao dispor que não se usarão algemas quando não houver resistência à prisão ou fuga. Trata-se de um critério muito ilusório, pois um preso aparentemente pacato pode inesperadamente se revoltar contra o agente responsável pela prisão. 
Como visto, a regulamentação do uso de algemas no Brasil está longe de se concretizar, permanecendo o art.199 da LEP carente de regulamentação. 
Em meio a esse cenário se destaca o instituto da Súmula Vinculante nº 11, implementado por ocasião da Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional n° 45); o uso de algemas passou a ser restrito a casos excepcionais, permitindo somente situações em que haja resistência, fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia. Passou a exigir a fundamentação por escrito do ato, por parte da autoridade, sob pena de responsabilização disciplinar, penal e civil do policial e até a nulidade da prisão ou do ato processual a qual se refere. 
O STF, quando do julgamento do HC nº 91952-SP, que discutia o fato do réu ter permanecido algemado durante sessão do Tribunal do Júri, reconheceu a necessidade de editar uma súmula vinculante a tal respeito. 
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a necessidade de se manifestar sobre o referido assunto 
É hora de o Supremo emitir entendimento sobre matéria, inibindo uma série de abusos notados na atual quadra, tornando, clara, até mesmo, a concretude da lei reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, para qual os olhos em geral têm permanecidos cerrados. 
Assim sendo, o uso de algemas para o preso deixou de ser regra e passou a ser exceção, restringindo-se às hipóteses nas quais a autoridade, mediante fundamentação escrita, considerar que tenha havido resistência, haja fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia. 
Termos em que, apenas em tais casos estaria, para o STF, legitimado o uso de algemas, sob pena de o agente ou a autoridade responderem nas esferas disciplinar, penal e civil. Previu-se, também, a responsabilização civil do Estado, sem prejuízo do reconhecimento de nulidade da prisão ou do ato processual a que ela se refere. 
Muitas críticas foram levantadas a respeito da súmula, dentre elas a acusação de inconstitucionalidade, uma vez que a súmula feriu o principio da separação dos poderes exorbitando de sua função jurisdicional e invadindo a competência do Poder Legislativo. A súmula funciona como um paliativo ,um texto reduzido, feito para suprir a falta de clareza na lei; o que deixa margem para várias interpretações.Uma vez que a referida súmula primou, sem dúvida, pela proteção aos interesses individuais de quem está sendo submetido à privação estatal da liberdade. 
Há muito se discute a respeito da conveniência na manutenção de algemas no réu durante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Alega-se que a apresentação do acusado algemado poderia provocar uma valoração negativa por parte dos jurados ,influenciando negativamente a opinião dos mesmos.O fato é que não há consenso sobre o tema na jurisprudência nem tampouco doutrinamento. 
Se o uso das algemas deixa de ser regra e passa a ser exceção, avulta enorme prejuízo para toda a instituição policial, além de contribuir para o aumento da criminalidade e aprofundar o sentimento de impunidade que há muito tempo assola a nossa população. 

3. Uso de Algemas em Face dos Direitos Humanos 

As autoridades policiais em meio às inúmeras operações importantes na tentativa de combate à criminalidade e à corrupção havendo a cada ano que passa um acréscimo no número de tais operações. 
Ocorre que o que deveria ser uma prática rotineira está tornando-se um espetáculo midiático com fins sensacionalistas. Não raramente a imprensa divulga cenas humilhantes de pessoas sendo conduzidas algemadas. Isso transgride o direito à imagem, às vezes de forma irreversível, sacrificando os interesses de uma investigação neutra e imparcial, bem como o principio da presunção de inocência, pelo qual ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, garantia fundamental em um Estado Democrático de Direito. Na verdade se está confundindo a divulgação da imagem da pessoa algemada com o próprio ato de algemar 
Dentro de tal contexto se destaca a opinião da ministra do STF relatora do Habeas Corpus, Carmem Lúcia (2008): 

Vivemos, nos tempos atuais, o Estado espetáculo. Porque muito velozes e passiveis, as imagens têm de ser fortes. A prisão tornou - se, nesta nova sociedade doente, de mídias e formas sem conteúdo, um ato deste grande teatro que se põe como se fosse bastante à apresentação dos criminosos e não a apuração e a punição dos crimes na forma da lei. Mata-se e esquece. Extinguiu-se a pena de morte física. Mas institui-se a pena de morte social. (...) Menos, ainda, se haverá de admitir que a mostra de algemas, Como símbolo público e emocional de humilhação de alguém possa ser transformada em circo de horrores em uma sociedade que quer sangue porque está cansada de se ver sangrar. 

A base da Constituição Federal de 1988 vislumbra um conjunto de valores acerca da aplicação do uso de algemas. Assim, no seu capítulo I(Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) a CF/88 reza: 
Art.5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 
III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) 
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (...) 
LIX – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar, definidos em lei. 

Com isso pode se afirmar que a CF/88 é fonte de ampla argumentação normativa para a garantia de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Esses direitos são referentes a bens jurídicos como liberdade, integridade física e moral, honra e imagem das pessoas e a dignidade da pessoa humana. A utilização de algemas, se feita de forma inadequada, desnecessária, ou excessiva, pode provocar agressões a tais direitos fundamentais. 
Torna-se indispensável buscar o entendimento da expressão Direitos Humanos. Conforme João Batista Herkenhoff (1994, p.30) os direitos humanos são entendidos, na atualidade, como “aqueles fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente”.Para Fernando Barcellos de Almeida ( 1996, p.24): 
Direitos Humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo o ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais. 

Direitos Humanos são aqueles pertencentes a todo ser humano de forma universal, não impondo raça, sexo, classe social, religião ou qualquer outro critério. São direitos albergados pelas constituições e legislações da maior parte dos países do mundo. 
Em 1948, foi aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que entre outras proteções dadas ao ser humano, proíbe o tratamento indigno do preso: 
Artigo V- Ninguém será submetido à tortura, nem a Tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. 

Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. 
(...) 
Artigo IX – Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. 

De igual modo a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, de 22 de dezembro de 1969, prevê direitos do cidadão, da seguinte forma: 
Art.11 – Proteção da honra e da dignidade 
1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. 

Com relação à dignidade da pessoa humana, define o doutrinador Alexandre de Moraes (2003, p.60): 
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, que constituindo – se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos 

Foi normatizado pela Carta Magna o direito de informação, assim dispondo em seu art. 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o dispositivo nesta Constituição”. Evidente está que o direito à informação e a liberdade de imprensa estão previstos em nosso sistema jurídico, no entanto, estão longe de ser absolutos, devendo respeitar outros direitos fundamentais, tais como, a honra, a imagem, a intimidade e a própria lei. 
A Constituição Federal de 1988 preocupou - se em proteger a imagem das pessoas de forma expressa e efetiva, assegurados no art. 5º, inciso X, a inviolabilidade da imagem das pessoas e a indenização pelos danos materiais e morais decorrentes de sua violação. No magistério de Alexandre de Moraes (2004) essa proteção constitucional também se estende frente aos meios de comunicação em massa como jornais,revistas, televisão,etc. 
Ao ser feito uso de algemas, a pessoa já se encontra tecnicamente presa, já houve a perda da liberdade, o seu uso do objeto serve para externar aquilo que juridicamente já existia. O que de fato viola a imagem das pessoas é a execração pública que pune sem julgamento, deixando de considerar os aspectos morais legais que envolvem a questão. 
O que se deve abominar não é o uso das algemas em si, já que elas sempre constituirão instrumentos de trabalho necessários para os policias, mas sim toda esta exposição desnecessária e banal propende para o sensacionalismo. 
O principio da proporcionalidade ou da razoabilidade ou ainda Principio da Proibição de excesso surgiu com o escopo de evitar restrições desproporcionais aos direitos fundamentais, seja por atuação do Poder Executivo seja do Poder Legislativo. Destarte, o principio da proporcionalidade é utilizado como proteção aos direitos fundamentais e também como controle da constitucionalidade dos atos estatais. 
Pelo principio da proporcionalidade, a atuação do agente público deve contrabalançar os meios utilizados com os fins que se almeja. Na abordagem acerca do uso de algemas, proporcionalidade representa o uso da força imprescindível ou os meios necessários para efetivar a atuação estatal para manter a ordem pública e a paz social, evitando a fuga do preso ou resguardando a segurança coletiva. 
Por fim, a sociedade é a razão de ser dos órgãos de segurança pública, cabendo, pois, ao agente policial desempenhar sua atividade com o máximo de zelo e dar o melhor de sua capacidade profissional, sendo imparcial na solução de qualquer ocorrência e cometido em suas ações buscando sempre diminuir a gravidade dos fatos. O que se impõe é o respeito aos direitos fundamentais do cidadão e ao Estado de Direito. Logo, à prudência e o bom senso, esteja sempre a nortear a conduta do policial. 


Considerações Finais 

Deve se concluir que, num Estado Democrático de Direito, a base do uso de algemas deve ser o bom senso, anexado aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, na busca do equilíbrio e da proporção. Excessos que venham atingir os direitos fundamentais não devem ser admitidos, mas também não se pode abolir ou restringir o uso de algemas. 
Há que se buscar um meio-termo. O uso das algemas é um mal necessário, é uma das formas coercitivas de contenção estatal, assim como as prisões, que em virtude da realidade social exige uma atuação imperativa, situada dentro daquelas prerrogativas de utilização da força com legitimidade, pelo Estado, com o único fim de possibilitar a solução de conflitos sociais. 
Os que defendem os direitos e garantias individuais, não devem esquecer que o fim maior do Estado regulador, cuja legitimação de suas atividades, é o interesse social. E é este interesse que fundamenta a possibilidade do uso das algemas. 
A referida súmula primou, sem dúvida, pela proteção as garantias individuais de quem está submetido à privação estatal da liberdade, limitando a situações específicas a possibilidade do uso das algemas. Mas, em outros termos, pode não ter protegido de maneira efetiva as autoridades policiais que se vem dia a dia tendo que lidar com situações de risco. E este é o fundamento maior da discussão. 
A injusta violência usada em nome do Estado deve ser eliminada. Mas isso não autoriza uma permissividade e tolerância com os criminosos comuns. 
Conclui-se, pela necessidade de se recuperar a aplicação do Direito, efetivando-se os princípios constitucionais e internacionais que tem a sociedade como base. O interesse público, bem como a razoabilidade e proporcionalidade, portanto, devem ser os grandes norteadores desta discussão. 

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